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  • Foto do escritorRedação

Bruno mapeou 11 pontos de invasão com ao menos 32 balsas no Javari




Semanas antes de desaparecer no Vale do Javari (AM), com o jornalista inglês Dom Phillips, o indigenista Bruno Pereira fez uma série de contatos com O GLOBO.


“No rio Jandiatuba, foram encontradas 20 balsas no leito do rio, sendo cinco delas dentro da TI Vale do Javari, a menos de 5km da base da Funai”, disse o indigenista em mensagem de 16 de março, um dia após sobrevoar com a Equipe de Vigilância da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (EVU) o curso dos rios Curuena e Jandiatuba.


Bruno e a EVU mapearam na região 11 pontos de invasão com ao menos 32 balsas ao longo dos três rios, informações que foram enviadas à Polícia Federal (PF) e ao Ministério Público Federal (MPF). O indigenista disse, à época, ter convencido a PF da necessidade de uma operação para destruir as balsas. A operação prometida não aconteceu. E Bruno não viveu para cobrar.


Durante três meses, a reportagem do GLOBO acompanhou o planejamento do que seria a sétima e última missão de Bruno pela Univaja.


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Para além das invasões de caçadores e pescadores ilegais que saqueavam toneladas de carnes de animais da floresta e peixes dos rios da Terra Indígena Vale do Javari, Bruno estava preocupado com o avanço descontrolado do garimpo ilegal pela região nos últimos dois anos.

E que já chegava bem perto de onde está o último grupo de indígenas isolados da etnia Korubo, entre outros povos que vivem no entorno dos rios Curuena e Jandiatuba.


Ameaça aos korubo


A ideia do indigenista era de que o documento enviado às autoridades servisse de base para reconhecimento dos pontos de ação do garimpo ilegal por forças do governo.

Ao GLOBO, Bruno contou que, em um primeiro voo, identificaram quatro balsas dentro do rio Curuena. No leito do rio Jandiatuba, foram avistadas 20 balsas, cinco delas dentro da TI Vale do Javari. “Bem no território dos korubo isolados”, disse o indigenista licenciado da Funai na ocasião.


Segundo Bruno, a Univaja e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) já haviam solicitado uma barreira sanitária nesta localidade, com uma arguição de descumprimento de direito fundamental enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) que cobrava do governo federal proteção aos indígenas durante a pandemia de covid-19.


“Iremos agora voar sobre um afluente do Jandiatuba atrás de dragas de ferro e mais balsas”, contou o indigenista no retorno da primeira expedição.


“É gravíssimo isso. Vem sendo denunciado pela Univaja há um bom tempo. A construção de barreiras sanitárias na região não foi feita. Houve um concurso temporário da Funai em que contrataram mais de 700 pessoas, e ninguém foi destinado para a região. Aí está o resultado. O espaço que não é ocupado pelo Estado é ocupado pelos bandidos”, disse Bruno ao GLOBO, dois meses e meio antes de se juntar a Dom Phillips na embarcação em São Rafael, dia 5 de junho.


O indigenista conhecia bem a região que sobrevoava.


Havia liderado em 2019, quando ainda era coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai, uma expedição de contato de povos isolados, a maior dos últimos 20 anos.


Também em 2019, Bruno montou uma operação da Funai, em conjunto com o Ibama e a Polícia Federal, que resultou na destruição de 60 balsas do garimpo ilegal.


Denúncias desde 2020


Bruno contou que a Univaja vinha pedindo providências à Superintendência da PF no Amazonas para conter o garimpo desde 2020.


“Há ofícios pedindo atenção para região, que denunciam atuação do garimpo na RDS Cujubim. O Curuena também fica nesse local, e é limítrofe com a TI Vale do Javari. A Univaja já tem pedidos há mais de um ano e meio enviados à PF, ao Exército, ao STF, e deixam chegar nesse nível”, disse Bruno, enquanto narrava o esforço empregado para convencer a PF da necessidade de uma nova operação para expulsar os garimpeiros.

A RDS Cujubim é uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável localizada no município de Jutaí, no Amazonas.


O GLOBO teve acesso aos ofícios e aos e-mails enviados pela Univaja desde outubro de 2020, confirmando as denúncias às autoridades.


O ofício de número 72, destinado ao delegado Alexandre Saraiva, já apontava para registros da presença do garimpo ilegal e de missionários na aldeia Jarinal, outra preocupação de Bruno.


A Univaja voltou a procurar a Superintendência da PF em 16 de março deste ano. A PF acusou recebimento do ofício de número 19/2022 duas semanas depois, informando a abertura de processo de nº 08240.002260/2022-12 e envio à delegacia de Tabatinga “para conhecimento e providências”.


“Nossa rede de informantes conseguiu coletar dados sensíveis em campo nos últimos 45 dias. Traremos a seguir tais informações para elas possam subsidiar a atuação da Polícia Federal na inutilização dessas balsas e dragas e no desbaratamento da quadrilha que opera ilegalmente essa exploração minerária. Nossos esforços se concentraram nas calhas dos rios Jandiatuba e Jutaí, onde em seus altos cursos vivem a maior concentração conhecida de povos indígenas isolados do mundo”, diz o ofício.


Festa de garimpeiros


O indigenista enviou um áudio de liderança kanamari descrevendo o cenário de barbárie.


“Está preocupante o que acontece na parte do Vale do Javari, no rio Jutaí, na aldeia Jarinal. Garimpeiros estão fazendo festa até o dia amanhecer e dando álcool para os parentes (indígenas). Isso é muito triste. A Funai tem que se manifestar. Vai acontecer briga entre os garimpeiros com os parentes de recente contato Tsonhom-dyapa. Estamos preocupados. Alguém pode ajudar? Pra vir aqui com urgência máxima possível”, alertou.


Em outro áudio, o presidente da associação Kady Kanamari também apelava: “A Polícia Federal precisa vir aqui para resolver a questão do bandido do garimpeiro. Eles estão temperando a gasolina com água para dar de beber aos parentes. Esse crime muito grave está acontecendo dentro das aldeias no Jarinal”.


Após a operação contra o garimpo ilegal no rio Jutaí, em 2019, Bruno foi exonerado do cargo.


Ao GLOBO, contou que a operação mexeu com “muita gente graúda”.


“Ele foi exonerado da função, ironicamente, por realizar o papel de coordenador dentro da Funai”, diz Beto Marubo, da Univaja.


Depois de mapear o garimpo, Bruno fez novas incursões aos rios do Javari para visitar a base móvel da EVU.


A primeira no fim de março acompanhando uma equipe de reportagem da Al Jazeera.

A segunda em abril, com os repórteres do El País. E a última na qual acompanhava Dom.


As três incursões não foram consideradas missões oficiais da equipe de vigilância.


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Foto: Univaja

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