Redação
Amazonino Mendes: Uma Força da Natureza

Amazonino surgia na política amazonense como empresário e advogado que decidira se dedicar à política
Como a maioria das pessoas de minha geração, tomei conhecimento da existência política de Amazonino Armando Mendes quando ele foi nomeado prefeito de Manaus pelo então Governador do Estado do Amazonas Gilberto Mestrinho. Amazonino surgia na política amazonense como empresário e advogado que decidira se dedicar à política, tendo administrado a prefeitura de Manaus com muita energia e empenho, criando e asfaltando bairros inteiros.
Naqueles tempos, o grande cacique da política amazonense era Gilberto Mestrinho, que retornara ao Governo, após haver sido cassado pela Revolução de 1964, durante as primeiras eleições do período de redemocratização do Brasil. Gilberto foi um Governador que concentrava enorme poder em suas mãos, controlando com pulso firme Executivo, Legislativo e Judiciário. Era visto como um gestor competente, com visão empresarial. Voltou ao Governo embalado nas lembranças dos cidadãos amazonenses que foram crianças em seu primeiro Governo no final dos anos cinquenta, em que ele distribuía brinquedos para as populações menos favorecidas. Ouvi de muitos eleitores: “Meu primeiro brinquedo, foi Gilberto que me deu”. Marcava-se ali, através deste e de tantos outros exemplos, a força política do populismo.
Infelizmente, é praticamente impossível nos regimes presidencialistas, dissociar o populismo dos ocupantes dos cargos de executivo. É como se a população espere e deseje esse comportamento do político. Basta olhar para a campanha presidencial brasileira de 2022, em que disputaram um político populista de esquerda contra um político populista de direita.
O Deputado, descendente da família imperial brasileira, Príncipe Dom Luiz Felipe de Orleans e Bragança, em recente entrevista à Jovem Pan, referiu a existência de um populismo do bem que ocorre quando ele é utilizado para diminuir o gigantismo do Estado. Foi exatamente o que fez Amazonino Mendes, especialmente, em seu terceiro mandato de Governador quando o Brasil estava às voltas com a necessidade de equilibrar as contas públicas para vencer a inflação. Amazonino fez uma redução gigantesca nos gastos do Estado e diminuiu para cerca de quatorze, as secretarias que inchavam a máquina pública. Utilizou-se de sua força política para prover recursos destinados a executar políticas públicas voltadas para a população.
Amazonino Mendes soube como poucos alcançar o maior número possível de pessoas com seus programas sociais, pautando seus governos, especialmente, seu terceiro mandato de Governador pela execução de políticas públicas de qualidade, coma construção de inúmeras escolas, delegacias, hospitais, clínicas, estradas e casas populares, tendo deixado ainda o legado maior de criação e implantação da Universidade do Estado do Amazonas, com o que abriu as fronteiras do conhecimento tanto em Manaus, quanto no interior do Estado.
Era um político de visão estratégica e de longo prazo. Ao vencer sua primeira eleição de Governador disse ao Prefeito de Parintins que iria construir um hospital naquele município. O Prefeito pediu-lhe que construísse primeiro o Bumbódromo. A obra foi amplamente criticada na imprensa durante sua execução. Era considerada um megalomaníaco gasto de recursos públicos para uma festa de Boi Bumbá no interior do Amazonas. Amazonino investiu não apenas na execução da obra, tratou de garantir patrocínio público e privado para realização do Festival de Parintins que hoje é conhecido internacionalmente, atraindo inúmeros turistas para o Amazonas.
Ainda na cultura, ao ouvir do Maestro Júlio Medaglia sobre a possibilidade de trazer músicos profissionais do Leste Europeu que se dispunham a vir para o Amazonas devido à dissolução da União Soviética, Amazonino autorizou a contratação desses profissionais criando a orquestra sinfônica do Amazonas, o Festival de Opera, Festival de Cinema, dentre outros eventos idealizados pelo atuante e operoso Secretário de Cultura de seu terceiro mandato, Robério Braga.
Como uma sequência de Gilberto Mestrinho, Amazonino Mendes ampliou em muito a arrecadação tributária no Estado do Amazonas, ao mesmo tempo em que conseguiu manter a Zona Franca de Manaus. Amazonino administrou o Estado do Amazonas sem receber grandes quantidades de recursos federais, pois ele tinha uma postura pessoal altivez ao enfrentar os poderosos e ao mesmo tempo ser generoso com os humildes. Esse era um dos traços do seu carisma. Era açodado e corajoso. Adorava um embate.
Com Amazonino Mendes aprendi que alguns Governadores funcionam como os fenômenos da natureza, em decorrência do seu estado de ânimo, de onde adquiri o hábito de indagar aos assessores mais próximos como estava seu humor antes de ir despachar com ele. Como todas as pessoas poderosas, alternava afetos e desafetos. Em decorrência dessa característica dele, cunhei a expressão “gênio de plantão” que se refere à pessoa que está ligada diretamente a ele dando ordens no Governo para que tudo seja feito conforme sua vontade. Os gênios de plantão, ao confundirem suas atribuições com aquele que efetivamente recebeu o poder das mãos do povo, invariavelmente, dentro de algum tempo, caíam em desgraça e eram afastados. Sempre achei que os Governadores estão para certas pessoas, como as chamas estão para as mariposas: aquecem, mas podem queimar.
Por conta disso, sempre procurei manter uma distância saudável entre nós, para garantir o excelente relacionamento que mantivemos durante nossa convivência dentro e fora dos Governos em que atuamos juntos.
Amazonino tinha a especial capacidade de se autoexaminar e mesmo rever seus posicionamentos e atos. Lembro de um episódio ocorrido entre nós que muito me marcou. Era uma quinta-feira, e eu recebi o telefonema da Procuradora-chefe da então Procuradoria Fiscal, Dra. Suely Barbirato, que me dava conta de que a minuta do decreto de Anistia que iria ser concedida pelo Governo do Estado do Amazonas, não preconizava o pagamento de honorários advocatícios aos Procuradores do Estado o que gerava grande descontentamento para os colegas da carreira, na medida em que esses honorários eram importante parte da composição da remuneração dos procuradores do estado. Eu prontamente me dirigi à sede do Governo e pedi para falar com o Governador. Aqui um parêntesis, lembram quando acima eu disse que com Amazonino eu aprendera que alguns Governadores funcionam como fenômenos da natureza e eu aprendi a consultar o tempo antes de sair para os visitar. Pois bem, esse foi um dos dias em que aprendi essa lição. Eu estava na sala de espera que era exatamente ao lado do Gabinete do Governador, quando ele abriu a porta do Gabinete se dirigiu até mim para falar, com a sala repleta de pessoas. No mesmo sofá que eu estava, sentava-se ao meu lado o, Secretário de Indústria e Comércio, Dr. Raimundo Noronha. Amazonino senta-se na mesinha de apoio da sala de estar de frente para mim e me pergunta: “E aí portuga? Qual o assunto?” Eu respondi: “Governador, o assunto é que o senhor está baixando um decreto de anistia e eu gostaria que fossem incluídos os honorários dos procuradores do Estado.” Ao me ouvir, o tempo fechou: “Coisa nenhuma, Jorge! Eles não merecem honorários! Isso é um absurdo!” E desceu o pau na categoria. Noronha que estava ao meu lado, colocou a mão minha perna. Acho que temia uma reação minha… Instantaneamente, veio-me ao pensamento a ideia de que eu havia aparecido na hora errada, com o pedido errado ou que ele estava chateado por qualquer outro motivo e resolvera despejar ali. Enfim, mantive a calma e disse a ele: “Governador, fique tranquilo. Deixe que eu resolvo essa questão. Até mais.” Peguei celular e liguei para a Chefe da Profis, explicando que o Decreto já havia sido assinado e que o Governador não poderia alterar. Não dei uma palavra sobre o descontentamento externado pelo Governador em relação à carreira. Aprendi, na profissão de advogado que é preciso saber ser lã entre os cristais, evitando o choque entre as partes. Eu estava com uma viagem autorizada para o Rio de Janeiro, na sexta-feira, seguinte a esse dia fatídico para os honorários dos procuradores do estado. Eu iria passar uma semana de licença para submeter Tricia a uma cirurgia de cerclagem, para costurar o colo do útero de modo que ela pudesse levar a gravidez da Beatriz, a termo, como graças a Deus aconteceu. Era um momento marcante para mim e decidi, visitar Amazonino por volta das seis da manhã. Ele sempre acordou cedo. Quando cheguei em sua residência ele estava com alguns assessores próximos, e eu disse a ele: “Governador, eu vim lhe agradecer a autorização da viagem para acompanhar a cirurgia da Tricia”. Ele me respondeu: “Que bom, filho. Que tenha sucesso. Vocês merecem”. Ele silenciou um pouco, olhou para mim e me disse: “A propósito de ontem…” Eu nem deixei ele concluir, intervi com um sorriso lhe dizendo: “Governador, a propósito de ontem está resolvido. Sem problema algum. Ontem eu apenas cometi com o senhor a gafe que um patrício meu, português, cometeu com uma mulher lindíssima numa festa. O senhor conhece essa?” Ele sorriu de lado e respondeu: “Não conheço. Conta aí.” Então eu contei, na presença do Secretário de Estado Chefe da Casa Civil, Dr. José Alves Pacífico, e de outros assessores, a seguinte piada: “Um português encontrou uma mulher lindíssima numa festa e se dirigiu à moça dizendo com sotaque carregado: ‘a senhorita me permite um galanteio?’ Ao que a jovem respondeu: ‘Um galanteio! Claro! Pode dizer!’ E o portuga mandou: ‘A senhorita deve namorar muito gostoso, pois não?’ Ao ouvir o galanteio e perceber o duplo sentido da palavra a moça disparou: ‘Seu ignorante! Como você pretende conquistar uma mulher com um galanteio desses?” Ao que o português respondeu: ‘Posso não ter conseguido nada com a senhorita, mas já consegui muita coisa boa e sem perder tempo!” Amazonino deu uma risada e me disse: “Agora me fala de novo sobre o assunto de ontem”. E aí eu expliquei a ele: “Govenador, o senhor editou uma lei conferindo aos Procuradores do Estado a possibilidade de receber honorários administrativamente e judicialmente. O senhor sabe, os procuradores trabalham na recuperação de créditos da fazenda pública. Quando é concedida uma anistia com isenção dos honorários, ganham os fiscais, ganha o fisco, mas os procuradores que têm que dar conta de seu trabalho durante a anistia, nada ganham. Ele falou, então: “Ah! É isso! Pacífico, altera o decreto para incluir os honorários!” Um assessor próximo exclamou: “Eu nunca vi um cara resolver um problema com uma piada!”
Por outro lado, Amazonino Mendes impressionava pela humanidade, grandeza de espírito, empatia e generosidade, na medida em que era capaz de perdoar e se reconciliar com adversários, especialmente nos momentos difíceis. Lembro de um episódio que pude presenciar, em que ao saber do acidente de automóvel sofrido pelo filho de um amigo do passado de quem se afastara, procurou o amigo e disponibilizou todos os meios para ajudar no tratamento do rapaz.
Quando Tricia e eu perdemos nossa primeira gravidez, depois havermos tentado filhos por dez anos, Amazonino ao encontrar Tricia pela primeira vez depois do ocorrido, lamentou o episódio e nos incentivou a continuar tentando.
Já quando eu servi como Procurador Geral do Estado no primeiro ano do Governo Eduardo Braga, que sucedeu Amazonino em 2003, o Governador me conferiu a missão de acompanhar o famoso advogado amazonense Paulo Figueiredo (que então era seu partidário) às cidades do Rio de Janeiro e Brasília, para conversar primeiro com o Senador Bernardo Cabral que iria obter uma agenda com o então Ministro Maurício Correa. Foi uma viagem de três dias. Passei três dias conversando com Paulo Figueiredo. Uma figura incrível, advogado, escritor, pessoa de uma ampla cultura. Era um homem muito loquaz, cordato e bem humorado. E contava com o fato de ter sido amigo de Amazonino Mendes durante a juventude e até certa parte da Maturidade. O detalhe é que Paulo Figueiredo que participou do primeiro governo de Amazonino havia saído do Governo com uma desavença entre os dois que já não se falavam há anos. Mas o interessante dessa viagem foi que Paulo Figueiredo passou as horas vagas dos três dias de viagem me contando estórias e mais estórias de sua relação com Amazonino. Estórias engraçadíssimas que revelavam uma juventude boêmia e feliz. Então eu disse ao Paulo Figueiredo: “Paulo, você é apaixonado pelo Amazonino. Vocês ainda vão andar juntos novamente”. Dito e feito: dois anos depois já na campanha de reeleição de Eduardo Braga, com a Amazonino candidato ao Governo, quem estava apoiando e trabalhando na campanha de Amazonino Mendes: Paulo Figueiredo.”
Para mim, a característica mais marcante de Amazonino Mendes era sua capacidade de se reconciliar com as pessoas e seguir adiante. No trato das questões públicas, sempre serão exemplo a coragem e a ousadia.
Meus sinceros sentimentos, a Armando, Lívia, Cristina e respectivos cônjuges e filhos. A perda de vocês é incomensuravelmente maior que a nossa.
(*) O autor é Ex Procurador Geral do Estado do Amazonas, Procurador do Estado aposentado e advogado.
Fonte: D24AM